segunda-feira, 5 de abril de 2010

o mundo está cheio de objetos

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Texto para o Outlook do Brasil Econômico desta semana.
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“O mundo está cheio de objetos, mais ou menos interessantes”, disse Douglas Huebler. Alguns somem, outros aparecem. Em São Paulo, os hidrantes voltaram para o seu planeta. Os telefones públicos e relógios de rua também começam a tomar o caminho de volta.

Há cerca de dois meses, os 313 relógios de rua da cidade pararam de funcionar – antigos contratos não foram renovados, e está em curso uma licitação para escolha da nova empresa que vai cuidar da manutenção e explorar comercialmente a propaganda dos monolitos de ver as horas. Para quem não usa relógio de pulso, palmtop, iPod ou é uma das 37 pessoas do mundo que não tem celular (eu, Milton Ohata, Vanessa Barbara etc), a vida sem o relógio de rua ganha em complexidade, desafio e aventura.

Muitos dizem que no mundo contemporâneo não há mais lugar para a experiência (café sem cafeína, cerveja sem álcool, manteiga sem gordura), que as figurinhas perderam o autocolante, que a narrativa enguiçou. Pois bem. Especialistas acreditam que atravessar a cidade sem saber as horas pode elevar em 400% os níveis de percepção, estratégia e resistência física do ser humano. Há maior necessidade de superação. Porque o trânsito, a pressa e o compromisso marcado, isso tudo se enrosca nos visores vazios (ou com números desconexos) dos relógios quebrados da cidade.

Além disso, há nos visores escuros uma estranha beleza. Parecem estar quietinhos. Não marcam as horas, não brilham, nada. É como se quisessem, só de birra, contrariar uma certa ideia de que tudo deve ser dito e mostrado. “Porque”, diz a Carta de Princípios da Sociedade dos Relógios Quebrados, “nunca se falou tanto, nunca tanta opinião foi dada, nunca tanta gente falou junto ao mesmo tempo, tudo é contado (dor no joelho, passeio à esquina), e nunca os tímidos falaram tanto: se os blogs, o Twitter e o Facebook tivessem um botão de volume, e pudéssemos girá-lo para a direita, a propagação do som causaria a maior onda de tsunamis da história.”

Desligados, os relógios também se tornaram monumentos da cidade. São grandes, estranhos e cabeçudos. A criação de um roteiro denominado “Grandes, estranhos e cabeçudos” é questão de tempo. O passeio começaria na estátua do Borba Gato, passaria por toda uma seleção de bonecos de posto e, por fim, os relógios.

Apesar de todos os benefícios do não-funcionamento dos relógios, daqui a um mês, eles devem estar de volta. Saudáveis, provavelmente maiores, com design futurista e arrojado. No lugar dos antigos, teremos novos e crocantes objetos de marcar as horas no valor de 50 mil reais. Huebler, o artista norte-americano, não aprovaria: “O mundo está cheio de objetos. Não me interessa acrescentar mais nada”. Ok.
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