terça-feira, 26 de janeiro de 2016

fervo

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No ano passado, estive em White Island, uma ilha-vulcão na Nova Zelândia. Escrevi sobre ela, aqui. As fotos são do Renato Parada.







É o vulcão mais ativo da Nova Zelândia. Fica a cinquenta quilômetros da baía de Whakatane, na porção norte do país – uma cidade tranquila de não mais do que vinte mil habitantes, sendo quase metade de população maori. O capitão do barco que nos levou até lá, um velho lobo do mar chamado David Plews, faz esse trajeto desde seus oito anos. Ele falou que a ilha muda sempre. De quando era criança para cá, está muito diferente.

White Island, calcula-se, vem mudando há 200 mil anos, sua idade aproximada. O primeiro não-nativo a avistá-la foi um daqueles entediados exploradores ingleses (talvez o mais famoso deles), o destemido James Cook, em 1769 – que, vale dizer, não chegou a descer e investigar o local, o que só aconteceu em 1826. Na ocasião, Cook escreveu no diário de bordo de seu navio, o Endeavour: “nós a chamamos de ilha branca porque foi assim que ela apareceu para nós” (em meio à névoa). Em maori, a ilha-vulcão é conhecida como Whakaari, “aquilo que se pode fazer visível”.




O barco fica estacionado à meia distância, e num pequeno bote alcançamos a breve praia de pedras vermelhas que dá acesso ao interior do vulcão. Vapores sobem das rochas e das três grandes crateras, a maior delas com 1,5 quilômetro de diâmetro. Pequenos lagos, córregos de água, paredões – tudo ferve e borbulha, a temperaturas que podem chegar a 600 graus.

Mais adiante, há as ruínas de uma antiga mina de extração de enxofre (o cheiro de enxofre é relevante). Em alguns pontos, o enxofre se cristaliza e ganha uma coloração amarela, luminosa.






A exploração do elemento, usado na fabricação de fertilizantes, pesticidas e pólvora, começou em 1885. Em setembro de 1914, um desmoronamento destruiu a fábrica e matou os dez homens que trabalhavam por lá – o único sobrevivente foi um gato chamado Peter, The Great.

Depois do desastre, a ilha foi abandonada por nove anos até que a produção de enxofre foi retomada em 1923. Com a Grande Depressão, a fábrica foi à falência em 1933. Em 1936, a ilha foi comprada pelo dono atual, um daqueles entediados homens de finanças saxões, George Raymond Buttle (sim, é uma ilha privada), que achou interessante a ideia de “ter seu próprio vulcão”. O governo tentou comprá-la, mas Buttle não vendeu.




Em 1953, White Island se tornou uma reserva. De lá para cá pode ser visitada por gente que não enjoa em viagens de barco e disposta a meditar sobre o início e o final dos tempos + superfícies borbulhantes. Câmeras registram a atividade do vulcão vinte e quatro horas por dia.
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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

o que acontecerá com as coisas

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Sufjan Stevens, "Death with dignity",
Carrie & Lowell, 2015
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"Vai ser estranho
Saber, enfim, que não podia continuar para sempre
Uma certa voz nos repetindo
Que nada ia mudar,

E, também, se lembrar,
Pois então tudo já vai ter acabado, o jeito
Como as coisas eram, e como desperdiçamos tempo
Como se não tivéssemos nada para fazer,

Quando, de repente
O clima mudou, o ar de superioridade se tornou
insuportavelmente pesado, e o vento incrivelmente estúpido
E nossas cidades viraram cinzas,

E saber, também,
O que nunca suspeitamos, que vivíamos algo como o verão
No seu mês de agosto, só que com noites mais quentes
E as nuvens pareciam brilhar,

E até mesmo nesse momento,
Porque não mudamos muito, nos perguntamos
O que acontecerá com as coisas, e quem restará para repetir
Tudo de novo,

E de certa forma tentamos,
Mas ainda somos incapazes de saber o que foi
Que deu tão errado, ou por que
Estamos morrendo."

Mark Strand, "Quando as férias acabam de vez", 1962
(tradução Antônio Xerxenesky)
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