segunda-feira, 23 de novembro de 2009

pretty, isn't it?

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"Yes, killed him. I killed him for money and for a woman. I didn't get the money and I didn't get the woman. Pretty, isn't it?"

(Double Indemnity [Pacto de sangue]; Billy Wilder)
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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

corvo reloaded

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Trecho de "Poe: o poeta, o narrador e o crítico" (1956), do Cortázar.

"A poesia é uma urgência, cuja satisfação é alcançada, cumprindo-se certas formalidades, adotando-se certos procedimentos. Mas a noção de 'poema a frio', que parecia nascer do texto da Filosofia da composição [Poe, 1846], se vê sensivelmente diminuída. À luz desta admissão de um ímpeto poético que tem toda a violência daquele que os românticos reconheciam [Cortázar se refere ao que escreve Poe no prefácio de O corvo e outros poemas, que a 'poesia não foi para ele um propósito, mas sim uma paixão'], O corvo deve ser reconsiderado.

Não há dúvida de que neste poema há muito de excessivamente fabricado, visando a obter um profundo efeito geral por meio da sábia gradação de efeitos parciais, de preparação psicológica, de encantamento musical. Neste sentido, o relato que Poe nos faz de como o escreveu parece corroborado pelos resultados. Sabe-se, contudo, que a verdade é outra: O corvo não nasceu de um plano infalivelmente pré-concebido, mas, sim, de uma série de estados sucessivos (e obsessivos, pois Poe viveu vários anos fustigado pelo tema -- nascido da leitura de Barnaby Rudge, de Dickens --, provando-o em diferentes planos, aproximando-se, aos poucos, da versão final), estados esses que se desalojavam ou aperfeiçoavam mutuamente até atingirem esse texto, onde a tarefa de pôr e tirar palavras, pesar cuidadosamente cada ritmo, equilibrar as massas, alcança uma perfeição menos arquitetônica do que mecânica. Este corvo é um pouco como o rouxinol de corda do imperador da China; é, literalmente, uma 'criação rítmica de beleza'; mas uma beleza fria, magia elaborada pelos conjuros impecáveis do grande mago, um estremecimento sobrenatural que lembra o vaivém da mesa de três pernas. Não se trata de negar estas evidências. Mas, isto sim, é lícito suspeitar, à luz de uma análise global de impulsos e propósitos, que a relojoaria de O corvo nasce mais da paixão que da razão, e que, como em todo poeta, a inteligência é ali auxiliar do outro, disso que 'se agita nas profundezas', como o sentiu Rimbaud."
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Da coleção de fotos do meu amigo Vincenzo.
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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

xampu no olho

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Historinha para a revista Gloss deste mês.

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No dia em que a Manu e eu nos casamos, o Rio de Janeiro parecia o Vietnã. Ou pelo menos a minha ideia de Vietnã, mistura de verbete da Mirador e Bom dia, Vietnã.

A chuva tinha parado, as bicicletas começavam a sair, o asfalto era a pele de uma rã (esfolada viva, porque isso é o Vietnã) e as árvores tinham um verde fluorescente, de arrozal. Eu nunca pensei em me casar. Mas pra quem tinha ido pra Disney aos doze anos, e depois colegial no Santa Cruz, faculdade, temporada em Barcelona, emprego na editora de revistas, até que fazia sentido. O casamento não teve cerimônia. Mas bebi o equivalente a Houston, Texas, para ficar nas comparações territoriais – e assim nos aproximamos de Nevada.

Estávamos casados há dois anos quando decidimos atravessar os Estados Unidos, nas férias. O voo foi legal. Nosso avião aterrissou em Miami, onde mora a irmã da Manu e é para onde vai o neon, quando morre. De lá, rumamos para o Kansas, "o Estado do pão", e então, pegamos um carro. Tomamos cerveja na fronteira sul do Colorado, vimos bolas de feno rolar pelo Arizona e discutimos feio em Utah. Terminaríamos a viagem em San Francisco, mas no quarto do hotel em Las Vegas, Nevada, quase fui atingido por um cinzeiro de esfinge.

A Manu estava brava comigo. Não tinha se recuperado da coisa toda em Utah, e o uísque com suco de grapefruit só piorou a situação. Eu usava um chapéu maneiro (de caubói), e o quarto, com as roupas de cama de faraó, começava a ficar pequeno demais para nós dois. A Manu tinha o rosto borrado de choro. E tentava me furar com um candelabro.

Antes que alguém se machuque, é preciso dizer que 150 mil casais se casam por ano em Nevada. Vestidos de Elvis, Marilyn. Gente que se ama. Dudley Moore se casou em Nevada. Nos fins de semana, é possível casar a qualquer hora da madrugada. Há a opção de se casar num helicóptero, sobrevoando o Grand Canyon. Na igreja do Elvis ou em praias cenográficas. Em Las Vegas, são 400 casamentos por dia. Mas eu nunca ouvi falar de um divórcio em Las Vegas.

A Manu parou. Ficamos nos olhando. Soltou o candelabro. Ela também nunca tinha ouvido falar em viajar até a costa oeste dos Estados Unidos para se separar.

Pegou a lista, ligamos para um cartório. Divorciar-se em Nevada era tão fácil quanto se casar. “Não é necessário fazer alegação nem provar adultério, senhor. Só se apresentar com a identidade ou o passaporte, senhor.” Os casamentos em Nevada têm validade apenas no estado de Nevada. Os divórcios também.

Às vezes (sobretudo quando estou lavando o cabelo) penso que nada pode ser mais surreal do que o casamento. Um escritor disse que as pessoas não são monogâmicas por natureza, pelo menos grande parte delas. Mesmo assim, misteriosamente, encontram alguém, casam-se e jogam o jogo ancestral de marido e mulher. E estou quase acreditando que se continuamos juntos até hoje, a Manu e eu, é porque existe um lugar onde a gente se divorciou. Onde saímos sozinhos para beber uísque com suco de grapefruit. E de tempos em tempos (o xampu no olho), com as coisas indo bem ou mal, voltamos para lá.
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segunda-feira, 2 de novembro de 2009

fez sol no feriado

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Jindřich Štreit, 1978–1990 The Village (Village is a World).
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