quinta-feira, 6 de setembro de 2007

não-dito

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E o Joca decidiu fechar a conta. Uma pena, eu gostava do blog dele, sobretudo da maneira que ele, com seu fígado assaz argentino, se aventurava pelos gêneros, misturando crítica, ficção, jornalismo, poesia, diário, provando que a organização dos posts de um blog em categorias é uma coisa sem graça, principalmente para um escritor. A verdade é que os escritores estão caindo fora. Não querem mais saber de blog. Há alguns dias, na Folha, o Bernardo Carvalho publicou uma coluna em que criticava "uma literatura que, originária e devedora dos blogs, foi reduzida a crônica, expressão da opinião e da experiência pessoal". No texto (uma resenha sobre A fera na selva, do Henry James), ele contrapunha "invenção e transcendência", qualidades que enxerga nos livros de James, ao relato pessoal com ares de crônica dos blogs: "Henry James professa a idéia de que a própria literatura é reflexão -- e não apenas expressão de si ou de geração", escreve. "O não-dito, por exemplo, que é um dos recursos dramáticos e romanescos mais fundamentais dos livros de James, é inconcebível dentro do princípio exibicionista da encenação pública do eu, na qual tudo deve ser dito e mostrado." Para além da coisa dos blogs como divulgadores da obra de seus autores (o marketing das grandes editoras faz o mesmo, ora), essa é uma questão que pode ser investigada: são os blogs, única e exclusivamente os blogs, responsáveis por uma sensibilidade "exibicionista", que produz uma literatura que não passa de "expressão da opinião e da experiência pessoal"? Eles não seriam também um sintoma? Por outro lado, o texto do Bernardo pode acabar sacrificando algo que, para mim, não tem um valor negativo em si: o diário escrito e pensado para a publicação -- que não nasceu com os blogs e que pode ser boa forma de exercício. Quando comecei a fazer esse blog, quis colocar no rodapé da página algo que lembrasse o Kafka e o Gombrowicz. Eles, na minha opinião, exemplificam bem duas atitudes possíveis diante de um diário: enquanto Kafka relatava para si, e somente para si, suas noites de raios & trovões, Gombrowicz escrevia sabendo que seria lido. O que separa os dois diários, além de meros 30 anos (o de Kafka foi escrito entre 1910 e 1923, o de Gombrowicz na década de 50), é a ironia. No Diário Argentino, a ironia -- de construir uma intimidade para publicação, de mesclar ficção e biografia -- é um complicador e tanto. Os não-ditos estão ali, todos. Não se trata de boteco, relato ou crônica. "O Diário é o principal livro de Gombrowicz", falou o Piglia. É possível encontrar blogs legais por aí. O do próprio Bernardo, por exemplo.
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sailor moon comanda o motim

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Texto novo na piauí.
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Diga wee por um mundo melhor

Operador do Playcenter não se intimida com Sailor Moon

Naruto Uzumaki, garoto em cujo corpo está aprisionado o espírito da raposa de nove caudas, espera a vez na fila do Splash. Faz manobras arriscadas no carrinho bate-bate, grita na montanha-russa — tudo ao mesmo tempo. Alto, baixinho, gordo, magro, Naruto se multiplica; sua roupa laranja está por toda parte, é uma das mais populares entre os participantes da primeira edição do Anime Play, que acontece num fim de semana de maio, no Playcenter, em São Paulo. Naruto é o protagonista do mangá homônimo. Suas aventuras começaram a ser publicadas em 1999 no Japão e viraram febre; já têm centenas de fãs no Brasil. “Ao mover uma das caudas”, conta o Naruto Marcos Fujioka, 16 anos, ajeitando a bandana ninja, “o espírito da raposa é capaz de gerar tsunamis e achatar montanhas”.

Perto dali, de peruca rosa, Sumomo viu o mundo, ele estava de cabeça para baixo. Na saída do liquidificador humano Evolution, a robô do anime Chobits se apresenta: Milena dos Santos, 17 anos, de Itatiba. “Adoro a Sumomo, ela mede vinte centímetros, é uma robozinha de estimação e—”, Milena larga a frase pela metade quando vê, no meio de um exército de Pokemons, as irmãs gêmeas Chii e Freya, também personagens de Chobits. Elisabeth Eguchi (Chii), 18 anos, e Tamara Yumi (Freya), 15 anos, têm um metro e meio de altura. Vestem saias curtas, longos cabelos loiros e orelhinhas de gato. “É fácil vermos Chii ou Freya nos eventos, mas quase nunca as duas juntas”, orgulha-se Tamara. A ambição de Elisabeth é aprender a costurar para fazer suas próprias fantasias. “Hoje, gasto em média cem reais por roupa”, diz. “Quero economizar e usar esse dinheiro pra comprar mais mangá.” Antes de ir embora, Sumomo tira fotos com as gêmeas; as três se abraçam e, loucamente, gritam weee umas para as outras.

Vestir-se como personagens de anime ou mangá é a diversão da maioria dos freqüentadores de eventos como o Anime Play. “Eles não só se fantasiam como encarnam o jeito, as poses, o modo de falar e até as coreografias dos seus heróis preferidos”, explica Philipe Monteiro, 23 anos, um dos organizadores. Quem imitar melhor o personagem, vence. Atual campeão mundial, o Brasil é uma nação emergente na geopolítica do cosplay (espécie de abreviação para “costume play”). Os irmãos Mônica e Maurício Somenzari Leite Olivas venceram o World Cosplay Summit (WCS) disputado no Japão em 2006 com os personagens Rosiel e Alexiel, do anime Angel Sanctuary (!). Este ano o verde-amarelo vai ser representado na final japonesa, em Nagoya, dia cinco de agosto, pelos noivos Thaís “Yuki” Jussin e Marcelo “Vingaard” Fernandes, que venceram a etapa brasileira com os personagens Sesshoumaru e InuYasha (!).

No palco do Playcenter, as bandas Tofu Attack e Tsubasa se revezam, tocam temas dos seriados Jaspion e Changeman, do RPG Final Fantasy e do anime Dragon Ball Z. A pequena multidão vai ao delírio com os ideais da revolução japonesa: “pela liberdade sou Jaspion, pela igualdade sou Jaspion!”. No cinema, uma sessão nostalgia com episódios clássicos. O capítulo final de Jiraya arranca gritos e aplausos. Enquanto isso, do outro lado do parque, uma gangue de Sailor Moon toma o barco viking. Quando o brinquedo ameaça parar, elas berram, contrariadíssimas. Recusam-se a descer. Uma delas desafia o operador: “Sou uma guerreira com roupa de marinheiro e vou punir você em nome da Lua!” Ele ajeita o boné, aperta um e outro botão, como se nada tivesse acontecido.

Perto da montanha-russa, sentada num banquinho, Carolina Gatti, 11 anos, bebe tranqüilamente seu Mupy sabor maçã. A bebida à base de leite de soja é chamada por ela de “néctar dos Deuses”. Carolina está fantasiada de Sakura, companheira de Naruto, e carrega uma plaquinha onde se lê: “Diga weee por um mundo melhor”. Carol explica que um mundo melhor é um mundo com muitos pandas. “Meu bicho preferido é o panda, tenho cinco pandas de pelúcia no meu quarto, eles são muito fofinhos”.

O momento mais esperado do evento é o concurso de cosplay. Foram inscritos 120 participantes nas categorias feminino, masculino e grupo. “Batam palmas para os Chobits!”, conclama o apresentador: a disputa começou. Os personagens entram e saem do palco, apresentando cenas de luta e coreografias. “O nível das apresentações está muito bom”, aplaude o jurado e expert Bruno Lazzarini, 22 anos, estudante de matemática. “Não tem nenhum cospobre”, observa judiciosamente Larissa Regina, 14 anos, referindo-se aos cosplays mais modestos.

Nos bastidores, Maria Elisa, 17 anos, e Debora Ferreira, 15 anos, estão nervosas. Vestidas como personagens de Sailor Moon (a Graciosa Guerreira Marinheira da Lua), elas aguardam os resultados do concurso. É a primeira vez que a dupla participa de um evento, apresentaram o que chamam de Kirari Sailor Jupiter, com música e dança, uma homenagem ao “melhor anime de todos os tempos”, Sailor Moon. Quando, depois de algum suspense, o apresentador diz que a dupla de Sailor Jupiter é a grande vencedora da noite, Maria e Debora se abraçam, gritam, choram. “Ficamos um mês ensaiando”, diz Maria. "É muita emoção". Sobem ao palco e recebem as medalhas. Acenam para o público. “Elas mereceram”, avalia o jurado Bruno Lazzarini, também tomando seu Mupy. “Ninguém fez botas como as delas, ficaram incríveis.”
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