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Texto para o Brasil Econômico de sábado (p. 56). Sobre sunga.
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Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU nada diga acerca da sunga, é indiscutível no mundo de hoje o direito de usar o referido item do vestuário masculino (apud deputado Fernando Gabeira, sunga lilás de crochê, Ipanema, 1980).
Na última semana, o senador Eduardo Suplicy desfilou pelos corredores do Senado trajando uma sunga vermelho-tomate, para escândalo de inimigos e considerável fatia de seus correligionários. Tanto se falou (“não conheço a sunga de Suplicy, mas sou contra”; “sunga é mais uma complicação para a vida do indivíduo”; “subjuga a barriga”) que alguns precisaram sair em defesa do senador (“foi por cima da calça, então não vejo problema”). Chegou-se até a discutir se houve ou não quebra de decoro. Perderam-se noites de sono. A sunga, que tinha sido um presente, foi devolvida.
Nada disso teria acontecido, claro, se estivessemos falando de uma gravata. A sunga (que em São Paulo é “maiô”, e os veteranos do Clube de Regatas Tietê chamam de “calção de banho”) é polêmica por natureza. Discutir sunga acirra os ânimos, traz à tona preconceitos e, desde Tarzan, nos coloca diante da inconstância de nossa alma selvagem -- Rousseau de sunga, ressurgido nas areias de Ubatuba. Esse caráter controverso talvez explique um pouco os altos e baixos pelos quais o traje passou desde a sua criação, no início do século 20. Num passado recente, com a escalada das bermudas e ao ter sua imagem vinculada a barrigas proeminentes, meias soquete e tênis branco, a sunga saiu de moda. Caiu no ostracismo, no ridículo. Mas não morreu e vive hoje um renascimento.
Há quem diga que nunca se usou tanta sunga. Na internet, um grupo de intelectuais de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre forma uma espécie de movimento pró-sunga. Conhecido como FPC, o grupo é um dos principais divulgadores do traje. Consideram a sunga uma conquista, já que no século 19, a roupa de banho chegava a pesar 10 quilos quando molhada, e o azul-marinho predominava. As sungas, por sua vez, são leves e divertidas, há opções de cores, além de versões fluorescentes. André Czarnobai, 30 anos, um dos fundadores da congregação, acredita que a sunga é a verdadeira contracultura. “Para fazer natação = indispensável. Para usar na praia = revela caráter, despojo e finesse. Para usar em reuniões de amigos à beira da piscina = só se tem gostosa”, enfatiza. Sobre o tópico, nunca é demais lembrar Leo Jaime, que em sua versão do standard Sunny, de 1984, alertava: “Sônia, não fica me excitando que eu tô de sunga”.
Como exemplo de por que a sunga deveria ser adotada como vestimenta oficial de senadores, outro integrante do grupo, Renato Delmonaco, 28, cita sua própria vida. “Depois que comecei a usar sunga diariamente, minha vida melhorou 300%, no mínimo.” Renato tem usado sunga todos os dias há mais ou menos um ano e meio. “É quase medicinal para mim”, conta. “Qualquer tipo de problema, forma ou natureza fica em segundo plano quando visto minha sunga.”
Se a sunga define caráter e personalidade, o episódio Suplicy é revelador. Faz pensar na primeira viagem com os amigos para a praia, na adolescência. Quando todos estão de bermuda, na areia, eis que alguém do grupo surge de sunga. Vai ter que suportar risos, escárnio, troça, zombaria. Toda uma vida será forjada ali, naquele átimo em que, de sunga vermelha, alguém resiste entre as bermudas.
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Texto para o Brasil Econômico de sábado (p. 56). Sobre sunga.
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Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU nada diga acerca da sunga, é indiscutível no mundo de hoje o direito de usar o referido item do vestuário masculino (apud deputado Fernando Gabeira, sunga lilás de crochê, Ipanema, 1980).
Na última semana, o senador Eduardo Suplicy desfilou pelos corredores do Senado trajando uma sunga vermelho-tomate, para escândalo de inimigos e considerável fatia de seus correligionários. Tanto se falou (“não conheço a sunga de Suplicy, mas sou contra”; “sunga é mais uma complicação para a vida do indivíduo”; “subjuga a barriga”) que alguns precisaram sair em defesa do senador (“foi por cima da calça, então não vejo problema”). Chegou-se até a discutir se houve ou não quebra de decoro. Perderam-se noites de sono. A sunga, que tinha sido um presente, foi devolvida.
Nada disso teria acontecido, claro, se estivessemos falando de uma gravata. A sunga (que em São Paulo é “maiô”, e os veteranos do Clube de Regatas Tietê chamam de “calção de banho”) é polêmica por natureza. Discutir sunga acirra os ânimos, traz à tona preconceitos e, desde Tarzan, nos coloca diante da inconstância de nossa alma selvagem -- Rousseau de sunga, ressurgido nas areias de Ubatuba. Esse caráter controverso talvez explique um pouco os altos e baixos pelos quais o traje passou desde a sua criação, no início do século 20. Num passado recente, com a escalada das bermudas e ao ter sua imagem vinculada a barrigas proeminentes, meias soquete e tênis branco, a sunga saiu de moda. Caiu no ostracismo, no ridículo. Mas não morreu e vive hoje um renascimento.
Há quem diga que nunca se usou tanta sunga. Na internet, um grupo de intelectuais de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre forma uma espécie de movimento pró-sunga. Conhecido como FPC, o grupo é um dos principais divulgadores do traje. Consideram a sunga uma conquista, já que no século 19, a roupa de banho chegava a pesar 10 quilos quando molhada, e o azul-marinho predominava. As sungas, por sua vez, são leves e divertidas, há opções de cores, além de versões fluorescentes. André Czarnobai, 30 anos, um dos fundadores da congregação, acredita que a sunga é a verdadeira contracultura. “Para fazer natação = indispensável. Para usar na praia = revela caráter, despojo e finesse. Para usar em reuniões de amigos à beira da piscina = só se tem gostosa”, enfatiza. Sobre o tópico, nunca é demais lembrar Leo Jaime, que em sua versão do standard Sunny, de 1984, alertava: “Sônia, não fica me excitando que eu tô de sunga”.
Como exemplo de por que a sunga deveria ser adotada como vestimenta oficial de senadores, outro integrante do grupo, Renato Delmonaco, 28, cita sua própria vida. “Depois que comecei a usar sunga diariamente, minha vida melhorou 300%, no mínimo.” Renato tem usado sunga todos os dias há mais ou menos um ano e meio. “É quase medicinal para mim”, conta. “Qualquer tipo de problema, forma ou natureza fica em segundo plano quando visto minha sunga.”
Se a sunga define caráter e personalidade, o episódio Suplicy é revelador. Faz pensar na primeira viagem com os amigos para a praia, na adolescência. Quando todos estão de bermuda, na areia, eis que alguém do grupo surge de sunga. Vai ter que suportar risos, escárnio, troça, zombaria. Toda uma vida será forjada ali, naquele átimo em que, de sunga vermelha, alguém resiste entre as bermudas.
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