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O Leiris, do trecho do post aí embaixo, comparava o ofício do escritor ao do toureiro. Ambos deveriam arriscar-se, porque segundo Leiris tanto um quanto o outro só mostram verdadeiramente o brilho do seu estilo nos instantes em que são mais ameaçados.
Leiris, que era um acéfalo e deu algumas voltinhas pela África, resignava-se em ser "apenas um literato". Achava que os livros, para que não fossem "meros encantos fúteis de bailarina", deveriam conter um equivalente daquilo que é para o toureiro o "chifre acerado do touro". Para tentar resolver essa questão, passou cinco anos, de 1930 a 1935, escrevendo A idade viril, uma espécie de confissão, de autobiografia (temperada com alusões a mitos e grandes temas trágicos) em que a condição humana pudesse ser "olhada de frente ou agarrada pelos chifres".
Escritor, etnógrafo e grande fã de Racine, Leiris sabia que o perigo a que se expunha ao tornar público, através da literatura, os lugares onde o seu coração mais secreto está enterrado era, claro, diferente daquele que assume o matador de touros -- o toureiro pode efetivamente morrer, o escritor não. Mas a lição é a mesma. O essencial, diz Leiris, é haver perigo para aquele que mata e para quem escreve -- "o matador dá a medida de seu valor quando se vê a sós diante do touro".
Por essas e outras, em Madri, a primeira coisa que fiz foi tentar ir a uma tourada. Mas cheguei atrasado e a temporada de corridas tinha acabado há exatos dois dias. Aquela noite eu passei assistindo aos toureiros no You Tube, o que me pareceu a coisa mais estranha desde a catapora: estar na Espanha, num colchão na sala, vendo touradas pela internet. Pra piorar, os vídeos não lembravam em nada a idéia de "ameaça constante com a catástrofe do touro" de que falava o Leiris. Os touros mais pareciam bezerros gordos e molengos; entravam em cena feridos, cambaleantes, incapazes de machucar uma formiga. Os matadores, por sua vez, eram auxiliados por outros, que apareciam sempre que o touro se animava um pouco. Abanavam capas, usavam lanças, tentavam desviar a atenção e enfraquecer o bicho. Pensei no Leiris, na sua visão heróica da tourada, e em como eu havia chegado atrasado para a temporada das corridas; aquilo não tinha a menor graça e, sobretudo, pensei no tipo de literatura cujo espelho seria esta tauromaquia fraca e molóide, de arena e matadores de mentira.
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