domingo, 3 de outubro de 2010

em caso de perda, devolver para

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Texto para a seção "Pequenos absurdos", do Outlook do fim de semana.
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Na volta para o quarto, uma pensãozinha vagabunda recomendada pelo Lonely Planet (“a truly lovely hideaway”), a Simone falou sobre o lugar onde havia tomado o chá de hortelã. Nos três dias que passaram na cidade, acabavam sempre naquele lugar. Era um barzinho no pé da montanha. Não tinha nada de especial, pelo contrário: dentro, um homem dividia espaço com o fogão, canecas de alumínio e uma dúzia de copos. À frente, a tábua que servia de balcão dava imediatamente para uma espécie de quintal, um quadrado de terra batida onde, num canto, cadeiras de plástico subiam em uma pilha tímida, algumas rachadas. Um grupo de homens ao redor de uma mesa jogava um jogo de tabuleiro com pedras brancas e pretas que por mais que prestasse atenção, Bruno não conseguia entender. O lugar servia apenas chá, de hortelã, nada mais. Os clientes pegam uma cadeira e sobem a encosta. Escolhem um lugar e esperam. Depois de um tempo, o dono do bar aparece, com uma mesinha, copos e o chá fumegante nas canecas de alumínio. Foi um amigo do Bruno que morava em Granada que falou daquele lugar. Segundo ele, tinha sido descoberto pelos hippies que, no rastro do haxixe marroquino, chegavam em grupos cada vez maiores desde os anos 60. Do alto, se vê as lavadeiras à beira do rio. E há uma agitação obscura, a mesma que faz com que a gente, sem saber muito bem por quê, decida voltar a certos lugares.

Isso era mais ou menos o que estava escrito na caderneta que encontrei no ano passado, numa cabine telefônica, em Hampstead.

Apesar do casal ser espanhol (o que era possível deduzir aqui e ali), o inglês era bastante correto, e por algum motivo, quase tudo estava em inglês. Era um desses caderninhos comprados em museu — na capa, o caracol do Matisse — e tudo indica que a última semana daquela viagem havia sido em Londres. Tinham a minha idade, um pouco mais novos, talvez. O texto da caderneta, comparado ao que acabo de contar, era mais emocional, com menos ênfase nos detalhes. Também não havia o menor indício de ironia. Talvez um humor ingênuo — do tipo detestável, mas que com o tempo entendi que soava simpático, e as pessoas, afinal, gostam de textos bem-humorados, não é mesmo?

Sou formada em Letras, mas ao contrário da maioria dos meus colegas, não faço mestrado. Assim que terminei a faculdade, decidi viajar. Também não é muito original, eu sei. Estou em Londres há dois anos. Consegui emprego numa escola e moro num quarto e sala em Brent Cross. Às vezes, para me distrair, volto à caderneta. Sinto um certo desprezo pela história toda, principalmente por causa da mulher, Simone. Quando conto o episódio para amigos ou gente desconhecida, não falo dela. Ou, em alguns casos, dependendo do meu humor, ela aparece pouco, ou uma única vez: para fazer um comentário sem importância sobre o lugar do chá de hortelã, e só.

Para mim, na maior parte do tempo, o Bruno está sozinho. Enquanto espera o chá, faz círculos na areia com um pedaço de galho. Na montanha em frente, há uma mesquita semidestruída. Na rua, um homem vende repolhos (ficavam empilhados a sua volta, como se fossem emparedá-lo). Ao lado, um cego tentava vender um único limão enrugado. O dono do bar aparece, trazendo o copo com folhas de hortelã, o chá na caneca de alumínio. Volto sempre a esse ponto, e cada vez tento pensar num final diferente para a história. Mas praticamente em todos, pego o telefone e ligo para o número anotado na última página da caderneta. Do outro lado, atende um homem. Então combinamos a devolução, no sábado, que é o meu dia de folga.
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