domingo, 20 de julho de 2008

ele nos aborrece, e isso basta

.
"Somos cinco amigos, certa vez saímos um atrás do outro de uma casa, logo de início saiu o primeiro e se pôs ao lado do portão da rua, depois saiu o segundo, ou melhor: deslizou leve como uma bolinha de mercúrio, pela porta, e se colocou não muito distante do primeiro, depois o terceiro, em seguida o quarto, depois o quinto. No fim estávamos todos formando uma fila, em pé. As pessoas voltaram a atenção para nós, apontaram-nos e disseram: "os cinco acabam de sair daquela casa". Desde então vivemos juntos; seria uma vida pacífica se um sexto não se imiscuísse sempre. Ele não nos faz nada, mas nos aborrece, e isso basta: por que é que ele se intromete à força onde não querem saber dele? Não o conhecemos e não queremos acolhê-lo. Nós cinco também não nos conhecíamos antes e, se quiserem, ainda agora não nos conhecemos um ao outro; mas o que entre nós cinco é possível e tolerado não o é com o sexto. Além do mais somos cinco e não queremos ser seis. E se é que esse estar junto constante tem algum sentido, para nós cinco não tem, mas agora já estamos reunidos e vamos ficar assim; não queremos, porém, uma nova união justamente com base nas nossas experiências. Mas como é possível tornar tudo isso claro ao sexto? Longas explicações significariam, em nosso círculo, quase uma acolhida, por isso preferimos não explicar nada e não o acolhemos. Por mais que ele torça os lábios, nós o repelimos com o cotovelo; no entanto, por mais que o afastemos, ele volta sempre".

("Comunidade", Kafka)
.