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Entre 711 e 1248, Sevilha foi árabe, e no ano da graça de 913 o primeiro Califa andaluz, Abd al-Rahman III, iniciou a construção do que é conhecido hoje como o Real Alcázar sevilhano. Apesar do sol islâmico e dos belíssimos jardins do palácio, acabamos atraídos por uma escada fria, de mármore, que dava para as chamadas Salas Altas del Cuarto de la Montería. Lá estavam sendo expostas fotos da aventura de um dos tantos entediados exploradores ingleses do início do século passado, Sir Ernest Shackleton. Era o tipo de coisa esquisita, deixar de passear pelos pátios ensolarados do castelo espanhol para se enfurnar em cômodos escuros e ver fotografias geladas, com homens de casacos, luvas e gorros. Por curiosidade, porém (o nome "Salas Altas del Cuarto de la Montería" nos parecia um bom motivo), resolvemos subir. No pé do último degrau, a primeira foto era impressionante: o Endurance, navio de Shackleton, encalhado na imensidão branca do Pólo.
Em agosto de 1914, Shackleton e sua tripulação havia partido com a intenção de serem os primeiros a atravessar a Antártida: em 18 de janeiro de 1915, a apenas 160 quilômetros de seu objetivo, o Endurance ficou preso entre as placas de gelo no mar de Weddell. A agonia durou nove meses.
Junto à tripulação (homens recrutados a partir de um anúncio que Shackleton publicara em um jornal britânico -- "procura-se homens para uma viagem perigosa. Salário baixo. Frio extremo. Longos meses de completa escuridão. Perigo constante. Não se garante retorno com vida. Honra e reconhecimento em caso de êxito"), estava um fotógrafo, o australiano Frank Hurley. As imagens noturnas feitas por Hurley são brutais: o barco, um fantasma enorme, preso no tenebroso oceano de gelo. De um lado, a escuridão da noite; de outro, o branco interminável, o silêncio daqueles meses terríveis. Há fotos da tripulação ouvindo música, jogando futebol, brincando com filhotes de huskie, tentando desencalhar o navio.
Em agosto de 1914, Shackleton e sua tripulação havia partido com a intenção de serem os primeiros a atravessar a Antártida: em 18 de janeiro de 1915, a apenas 160 quilômetros de seu objetivo, o Endurance ficou preso entre as placas de gelo no mar de Weddell. A agonia durou nove meses.
Junto à tripulação (homens recrutados a partir de um anúncio que Shackleton publicara em um jornal britânico -- "procura-se homens para uma viagem perigosa. Salário baixo. Frio extremo. Longos meses de completa escuridão. Perigo constante. Não se garante retorno com vida. Honra e reconhecimento em caso de êxito"), estava um fotógrafo, o australiano Frank Hurley. As imagens noturnas feitas por Hurley são brutais: o barco, um fantasma enorme, preso no tenebroso oceano de gelo. De um lado, a escuridão da noite; de outro, o branco interminável, o silêncio daqueles meses terríveis. Há fotos da tripulação ouvindo música, jogando futebol, brincando com filhotes de huskie, tentando desencalhar o navio.
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Em A narrativa de Arthur Gordon Pym, único romance que Poe escreveu, há cenas assombrosas. Tenho duas preferidas. A primeira acontece quando o narrador e seus três companheiros chegam ao limite da fome e da privação a bordo do Grampus. Perdidos no mar e à beira da morte, um deles, Parker, propõe a saída canibal: alguém deve ser sacrificado, "para preservar a existência dos outros". Depois de certa relutância do narrador, começam a pensar em como escolher a vítima. Então decidem por uma boa, velha e sensacional prática: "o único método que pudemos entrever para essa loteria terrível, em que cada qual teria um risco a correr, foi tirar palitinhos".
A outra cena terrível é essa: "Ninguém foi visto a bordo até que o navio estivesse a cerca de um quarto de milha de nós. Vimos então três marujos, a quem, pelos trajes, tomamos por holandeses. Dois desses estavam deitados sobre velas rotas junto ao castelo de popa, e o terceiro, que parecia nos olhar com grande curiosidade, debruçava-se na proa a estibordo, perto do gurupés. Este último era um homem alto e corpulento, com pele bem escura. Parecia, pelos seus gestos, encorajar-nos a ter paciência, saudando-nos de maneira jovial, mas um tanto esquisita, e sorrindo constantemente, como para exibir uma fileira de dentes da mais brilhante brancura. À medida que o navio se aproximava, vimos seu gorro de lã vermelha cair de sua cabeça na água; mas ele não fez caso disso, insistindo em seus sorrisos e gesticulações bizarras. Relato essas coisas e circunstâncias em minúcias, para que fique bem entendido como pareceram a nós. O brigue aproximava-se lentamente, agora com mais firmeza que antes, e -- não consigo falar com sangue-frio deste episódio -- nossos corações saltaram alucinados dentro do peito, vertemos toda nossa alma em gritos de júbilo e ações de graças a Deus pelo completo, inesperado e glorioso salvamento que tão palpavelmente tínhamos à mão. Súbito, de uma só vez, vindo do estranho navio (que agora estava próximo de nós), chegou até nós, bafejado sobre o oceano, um cheiro, um fedor tal que não há no mundo palavras para exprimi-lo -- infernal, sufocante no mais alto grau, intolerável, incocebível. De fôlego cortado e virando-me para meus companheiros, percebi que estavam mais pálidos que mármore. Mas não tínhamos tempo para questão ou conjetura -- o brigue estava a cinquenta pés de nós e parecia ter a intenção de nos acostar pela nossa almeida, a fim que pudéssemos abordá-lo sem lançar um bote ao mar. Precipitamo-nos para a popa, quando, de repente, uma forte guinada o lançou a bons cinco ou seis graus fora da rota que vinha mantendo; ao margear nossa popa à distância de uns vinte pés, tivemos visão plena de seu convés. Hei de esquecer algum dia o triplo horror daquele espetáculo? Vinte e cinco ou trinta corpos humanos, entre os quais várias mulheres, jaziam espalhados aqui e ali, entre o painel de popa e a cozinha, no último e mais repugnante estado de putrefação. Vimos nitidamente que não havia vivalma naquele barco maldito! Mas não pudemos deixar de gritar ao mortos por ajuda! Isso mesmo: longa e ruidosamente imploramos, na agonia do momento, que aquelas imagens silenciosas e repulsivas se detivessem para nós, que não nos abandonassem à mesma sorte, que nos recebessem em sua ilustre companhia! Delirávamos de horror e desespero -- loucos de angústia e cruel decepção."
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