domingo, 1 de março de 2020

onde a água se junta a outra água

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Eu amo os riachos e a música que eles fazem
E os regatos, nos prados e clareiras, antes
de terem a chance de se tornar riachos.
Talvez eu os ame sobretudo
por seu sigilo. E quase me esqueço
de falar sobre as fontes
Existe algo mais maravilhoso que uma nascente?
Mas as grandes corredeiras desaguam em rios.
As bocas abertas dos rios, onde se juntam ao mar.
Os lugares onde a água se junta
a outra água. Esses lugares resplandecem
na minha mente como locais sagrados.
Mas esses rios perto da costa
Eu os amo do jeito que alguns homens amam cavalos
ou mulheres glamourosas. Tenho uma queda
por aquela água fria e veloz.
Só de vê-la o meu sangue acelera
e a pele arrepia. Posso me sentar
e passar horas observando esses rios.
Nenhum deles é igual a outro.
Tenho 45 anos.
Alguém acreditaria se eu dissesse
que já tive 35?
Meu coração vazio e seco aos 35.
Mais cinco tiveram de passar
para que ele começasse a fluir novamente.
Esta tarde eu vou me dar todo o tempo que quiser
antes de deixar meu lugar na beira deste rio.
Gosto de amar os rios.
Amá-los inteiros, até
suas nascentes.
Amar tudo aquilo que me faz crescer.

“Onde a água se junta a outra água”,
 Raymond Carver, 1985, tradução de Cide Piquet
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