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Texto que escrevi para a revista ZUM, introdução para "A fotografia como linguagem universal", de August Sander:
Texto que escrevi para a revista ZUM, introdução para "A fotografia como linguagem universal", de August Sander:
Ver, observar e pensar. Foi sobre esse tripé que o alemão August Sander (1876-1964) fixou sua obra. Em “A fotografia como linguagem universal”, quinta parte de uma série de seis conferências radiofônicas realizada entre março e abril de 1931, Sander nos mostra que tudo está à vista, basta olhar as pessoas com atenção: um só instante (gesto, dobra, expressão) encerra o germe de muitos anos por vir e quase toda uma época.
É a partir da ideia de que “tudo o que acontece tem um rosto” que Sander elabora um dos conceitos-chave de sua obra: o conceito de “fisiognomonia”. De acordo com Sander, é possível constatar pela interpretação da fisionomia o que “uma pessoa faz e o que não faz”, como se comporta, se está contente ou angustiada. Mas para além do rosto – a vida inevitavelmente deixa marcas no rosto –, a fisionomia, aqui, é entendida de maneira ampla.
Estão em jogo elementos como a postura, as roupas, o ambiente, gestos e movimentos – o bigode aventureiro e cheio de pompa de um guarda florestal e seu cão; o olhar de mármore da jovem cujo cigarro não sabemos se vai aproximar ou afastar dos lábios; a dupla de funcionárias do circo que, com seus uniformes e chapéus, exibem diligentemente o programa com as atrações do espetáculo da noite. Para o fotógrafo alemão, isso tudo faz parte do “caráter particular” de uma pessoa – e, portanto, de seu tempo, porque cada indivíduo traz na fisionomia “a expressão da época e a mentalidade de seu grupo”. Intitulada “Essência e evolução da fotografia”, a série de conferências para o Westdeutscher Rundfunk (WDR), em Colônia, aconteceu num momento crucial da trajetória de Sander. Dois anos antes da transmissão, em 1929, havia sido publicado Semblante da época, livro que deu fama a Sander – e que se tornaria um clássico da fotografia de todos os tempos. Pensado como volume introdutório de seu monumental projeto Os homens do século vinte, uma série de mais de 500 imagens, iniciada em 1910, Semblante da época tinha como objetivo esboçar uma “imagem fisiognomônica” dos alemães de seu tempo.
Através de retratos de clientes, homens e mulheres, que ele visitava como fotógrafo itinerante, e de outras fotografias produzidas ao longo de décadas – arquivo que expandiu, corrigiu e reordenou durante toda a vida –, Sander captou a dramática transformação de seu país numa nação industrializada e, nas palavras do escritor alemão Alfred Döblin, “escreveu sociologia sem escrever”. Além de documento fundamental para entender a ampla criação de Sander, “A fotografia como linguagem universal” (que foi ao ar na manhã do dia 12 de abril de 1931 e durou vinte e cinco minutos) exibe uma reflexão muito particular sobre a arte do retrato. O fotógrafo pode ser um intérprete de vidas, um antecipador de histórias mas, sobretudo, a obra de Sander nos diz, ele pode carregar “a imagem da época” consigo, em seu trabalho.
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