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"Todo o sonho da democracia, escreveu Flaubert, é erguer o proletariado ao nível de estupidez alcançado pela burguesia. Essa frase costuma deixar as pessoas nervosas. Mas não é perfeita? Ao longo dos últimos cem anos, o proletariado instruiu-se nas pretensões da burguesia; enquanto a burguesia, menos confiante na própria ascendência, tornou-se mais astuta e ardilosa. Isso é progresso? Analise uma balsa lotada atravessando o Canal da Mancha, se quiser ver uma moderna nau dos tolos. Lá estão todos eles: calculando o lucro no free shop, bebendo no bar de sua preferência, jogando nos caça-níqueis, percorrendo o convés à toa, decidindo até que ponto serão honestos na alfândega, esperando a próxima ordem da tripulação como se dela dependesse a travessia do mar Vermelho. Não critico, meramente observo; e não sei bem o que pensaria caso todo mundo se alinhasse junto à amurada para admirar o jogo de luzes sobre a água e começasse a discutir Boudin. Não sou diferente, aliás: abasteço-me no free shop e espero ordens como todos os demais. O meu argumento simplesmente é: Flaubert tinha razão."
O papagaio de Flaubert, Julian Barnes, 1984
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"Todo o sonho da democracia, escreveu Flaubert, é erguer o proletariado ao nível de estupidez alcançado pela burguesia. Essa frase costuma deixar as pessoas nervosas. Mas não é perfeita? Ao longo dos últimos cem anos, o proletariado instruiu-se nas pretensões da burguesia; enquanto a burguesia, menos confiante na própria ascendência, tornou-se mais astuta e ardilosa. Isso é progresso? Analise uma balsa lotada atravessando o Canal da Mancha, se quiser ver uma moderna nau dos tolos. Lá estão todos eles: calculando o lucro no free shop, bebendo no bar de sua preferência, jogando nos caça-níqueis, percorrendo o convés à toa, decidindo até que ponto serão honestos na alfândega, esperando a próxima ordem da tripulação como se dela dependesse a travessia do mar Vermelho. Não critico, meramente observo; e não sei bem o que pensaria caso todo mundo se alinhasse junto à amurada para admirar o jogo de luzes sobre a água e começasse a discutir Boudin. Não sou diferente, aliás: abasteço-me no free shop e espero ordens como todos os demais. O meu argumento simplesmente é: Flaubert tinha razão."
O papagaio de Flaubert, Julian Barnes, 1984
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