quinta-feira, 4 de junho de 2020

a um velho poeta no peru

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"Porque nos conhecemos no entardecer
Debaixo da sombra do relógio da estação
de trens
Enquanto minha sombra estava visitando Lima
E o seu fantasma estava morrendo em Lima
uma cara velha precisando ser barbeada
E minha jovem barba que brotava
magnífica como cabelo morto
nas areias de Chancay
Porque pensei equivocadamente
que você estava melancólico
Cumprimentando seus pés de 60 anos
que cheiravam à morte
das aranhas na calçada
E você cumprimentou meus olhos
com sua voz de anis
Equivocadamente pensando que eu era genial demais
para um jovem
(meu rock and roll é o movimento de um
anjo sobrevoando uma cidade moderna)
(sua obscura confusão é o movimento
de um serafim que perdeu
as asas)
Dei um beijo na sua bochecha gorda (e amanhã de novo
debaixo do estupendo relógio da estação Desamparados)
Antes de ir ao encontro da minha morte num acidente aéreo
na América do Norte (há muito tempo)
E você seguir na direção do seu ataque cardíaco
numa rua indiferente da América do Sul
(Nós dois cercados de
comunistas gritando com flores
enfiadas no rabo)
— você muito antes do que eu —
ou uma longa noite sozinho num quarto
do velho hotel do mundo
observando uma porta negra
...cercado de pedaços de papel."

"A um velho poeta no Peru", Allen Ginsberg, 1960, tradução minha. Ginsberg visitou Lima há exatos 60 anos, em maio de 1960, e escreveu este poema em homenagem ao escritor peruano Martin Adán, autor de La casa de cartón. Ginsberg se hospedou num quarto de hotel em frente à estação de trens, a Estação Desamparados, e conheceu Adán na porta do Bar Cordano, que abriu em 1905 e existe até hoje.
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