quarta-feira, 25 de setembro de 2019

paciente e onírico e vitorioso pó

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"De um pouco depois das duas da tarde até quase o sol se pôr na longa, calma, quente, maçante e ociosa tarde de setembro, eles permaneceram sentados no que a srta. Coldfield ainda chamava de escritório porque assim o tinha chamado seu pai — um quarto escuro, quente e abafado, com todas as venezianas fechadas e trancadas havia quarenta e três verões porque quando ela era menina alguém acreditara que luz e ar corrente traziam calor e que no escuro era sempre mais fresco, um cômodo que (à medida que o sol batia com mais e mais força naquele lado da casa) ficava rajado de talhos amarelos repletos de grãos de poeira que, para Quentin, pareciam as lascas da própria tinta velha e seca, soltas das venezianas descamadas como se o vento as tivesse soprado para dentro. Havia uma trepadeira de glicínias florindo pela segunda vez naquele verão numa treliça de madeira em frente a uma janela na qual pardais surgiam de vez em quando em rajadas impetuosas, fazendo um barulho seco, vívido e empoeirado antes de sair voando: e, diante de Quentin, a srta. Coldfield no luto eterno que vestia havia quarenta e três anos, se por irmã, pai ou não-marido ninguém sabia, sentada tão empertigada na cadeira dura e reta que de tão alta para ela deixava suas pernas penderem verticais e rígidas como se tivessem tíbias e tornozelos de ferro, sem tocar o chão com aquela aparência de raiva estática e impotente como os pés de uma criança, e falando naquela voz soturna, exausta e atônita até que, por fim, o ouvir renunciaria e o sentido da audição se confundiria e o objeto havia muito enterrado de sua frustração impotente mas indômita emergiria como se evocado por ultrajada recapitulação, sereno, distraído e inofensivo, saído do paciente e onírico e vitorioso pó."

Absalão, Absalão!, William Faulkner
(tradução Celso Mauro Paciornik e Julia Romeu)
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