terça-feira, 10 de julho de 2018

repetir & repetir

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"Viemos ao mundo para repetir o que aqueles que nos antecederam também repetiram. Houve avanços técnicos, pretensamente importantes, mas no quesito humano continuamos idênticos, com os mesmos defeitos e problemas. Imitamos, sem saber, o que aqueles que nos precederam tentaram fazer. São apenas tentativas e bem poucas realizações, as quais, ainda por cima, quando ocorrem são sempre de segunda linha.

Fala-se de novas gerações, a cada dez ou quinze anos, mas quando se analisam essas gerações, que à primeira vista parecem diferentes, vemos que apenas repetem que é urgente e necessário suprimir a precedente e, por via das dúvidas, também a que precedeu a precedente, que em sua época, aliás, tentou apagar a que por sua vez a precedia. É estranho, nenhuma geração quer se colocar às margens do Grande Caminho, mas apenas no centro ocupado pela anterior. Devem pensar que fora disso não há nada, e pensar assim os leva a imitar e a repetir a aventura daqueles que no início desprezavam. E assim por diante, não há uma só geração que tenha se situado à margem, que tenha dito: isso não é pra nós, fiquem aí. Os jovens chegam e logo, da noite para o dia, desaparecem sigilosamente, já velhos. Quando fogem do mundo, se afundam, e afundam as próprias lembranças, e morrem, ou morrem e afundam suas lembranças, já mortos desde que nasceram. Nisso não há exceção à regra, nisso todos se imitam. Como diz um epitáfio numa tumba do cemitério da Cornualha: 'Vamos todos morrer?/ Todos vamos morrer./ Todos morrer vamos./ Morrer vamos todos'."

 Enrique Vila-Matas, Mac e seu contratempo, 2017
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