terça-feira, 16 de maio de 2017

que afinal de contas não viveram nada

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"Mas uma coisa sabemos: para que um mundo novo surja, é preciso primeiro que um mundo antigo morra.

E sabemos também que o intervalo que os separa pode ser infinitamente curto ou, ao contrário, tão longo que os homens devem aprender a viver em meio a desolação por dezenas de anos, para então fatalmente descobrir que são incapazes de fazê-lo e que afinal de contas não viveram nada. Quem sabe até sejamos capazes de reconhecer os signos quase imperceptíveis que anunciam que um mundo acaba de desaparecer, não o sibilo de um morteiro sobre as planícies estripadas do norte, mas o disparo de um obturador que mal perturba a luz vibrante do verão, a mão fina e gasta de uma mulher jovem que, no meio da noite, fecha devagarinho uma porta contra tudo que sua vida não devia ter sido ou a vela quadrada de um navio cruzando o Mediterrâneo ao largo de Hipona, trazendo de Roma a notícia inconcebível de que os homens seguem vivos, mas seu mundo não existe mais."

Jérôme Ferrari, "O sermão da queda de Roma", 2012
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