Em 2009, uma amiga me trouxe da Bienal de Veneza o cartão-postal de uma praia dourada de sol, com surfistas e gente nadando, em cuja parte inferior, num lettering vermelho-batom, podia-se ler: VENEZA.
Era um dos cem cartões-postais criados pela artista polonesa Aleksandra Mir, todos com imagens de lugares com água; cascatas, rios, mares, lagos na Alemanha, fontes em Paris, a costa de Sidney. Nenhum deles era Veneza, mas todos eram Veneza, com a mesma legenda, o nome da cidade italiana, escrita nos mais diferentes layouts, cores e tamanhos.
Um milhão de cópias circularam pela Bienal. Os cartões ficavam numa dessas gôndolas de bancas de jornal, próximas a duas caixas de correio e a uma cabine de venda de selos. Era possível levar consigo ou enviar dali mesmo os falsos recuerdos para amigos, namorados, conhecidos, parentes etc. Assim, Mir (que dez anos antes havia sido a primeira mulher a pisar na lua) provocava algumas questões sobre turismo, globalização e sobre como toda água é uma só água: “Veneza em cada molécula de chuva”.
Não sei se as pessoas ainda mandam cartões-postais. Eles parecem ter voltado para o seu planeta, assim como os hidrantes. Os telefones públicos também começam a tomar o caminho de volta.
O comentário mais afetuoso sobre viagens, turismo, globalização e cartões-postais quem fez, no entanto, foi o fotógrafo italiano Luigi Ghirri (1943-92). Em cartaz no Instituto Moreira Salles de São Paulo, Luigi Ghirri. Pensar por imagens. Ícones, paisagens, arquiteturas é imperdível.
São imagens que “nos atraem sem nos contar nada”. Guirri achata, simplifica; a luz de suas fotos é uniforme, sem contrastes dramáticos; as cores são chapadas. E tudo dialoga com o amadorismo, a simetria estranha.
É como se, num aeroporto, Ghirri tivesse sua bagagem extraviada. Na esteira rolante, os passageiros pescariam suas malas e mochilas, e restaria apenas uma bolsa desbotada e murcha, dando voltas — até um funcionário vir e recolhê-la. Ghirri enfiaria a cabeça pela portinhola de onde saem as bagagens. Lá fora, já seria noite e não haveria nada, só um carrinho enferrujado, provavelmente o que trouxe as bagagens (menos a dele).
Pois é assim que Ghirri vê o mundo, como uma grande montagem. “E então me dei conta de que a realidade estava cada vez mais se tornando uma fotografia enorme”, diz, numa entrevista.
Nascido na província de Reggio Emilia (na região da Emília-Romanha, norte da Itália), começou a vida como topógrafo e designer gráfico, antes de se tornar fotógrafo, no começo dos anos 70. Uma de suas séries mais emblemáticas, Em escala, foi realizada entre 1977 e 1978. Nela, Ghirri fotografou monumentos e paisagens italianas em miniatura, reproduzidos em escala reduzida. Em Atlas, de 1973, fez close-ups de mapas, que sugeriam, de acordo com Marina Spunta, “a importância da imaginação e da memória na percepção dos lugares”.
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