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Esta semana, sobre o Campo em branco:
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Esta semana, sobre o Campo em branco:
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André Miranda, no Globo
Se a “atenção a um detalhe específico sacrifica, por definição, nossa percepção do todo”, como diz o protagonista de Campo em branco, é importante manter o foco inicial no “todo” para, só depois, tratar dos “detalhes”. Assim, a explicação mais apropriada para essa graphic novel, escrita por Emilio Fraia e ilustrada por DW Ribatski, é que ela aborda o reencontro de dois irmãos, ambos na tentativa de recompor histórias do passado. São personagens que preenchem os vazios da memória, dando razão ao título do livro.
Ainda em nome da percepção do “todo”, deve-se destacar que Campo em branco está sendo lançado esta semana pela Companhia das Letras e que ele marca a primeira incursão do paulistano Fraia com os quadrinhos, um universo que o curitibano DW já conhece bem. É fundamental lembrar, também, que a trama se aproxima da de um diário de viagens, em que surpresas são comuns a cada página virada.
— É muito diferente escrever para quadrinhos, o pensamento é diferente, e o resultado são desenhos. Tem uma coisa material em histórias em quadrinhos, uma sensação distinta em virar a página e encontrar uma nova imagem — diz Fraia, autor, ao lado de Vanessa Barbara, do romance O verão do Chibo (Alfaguara, 2008).
— Nós conversamos muito para chegar ao livro. Fazíamos tudo juntos, mas tínhamos a regra de que a palavra final sobre o texto era dele, e a palavra final sobre o desenho era minha — explica DW, autor de Como na quinta série (Balão Editorial) e La naturalesa (Cachalote/Barba Negra).
Dito isso, agora, sim, dá para tratar dos detalhes.
Detalhe 1: a dupla começou a trabalhar em Campo em branco em 2008, o que indica um longo tempo de produção — porém não ininterrupta, claro, porque é preciso pagar as contas. Os cinco anos que se passaram até o lançamento serviram para melhor desenvolver o que a dupla queria da graphic novel, levando a uma trama recheada de elipses, com uma disposição de quadros pouco convencional.
— Trabalhamos muito a ideia de lacuna, de ausência. O livro conta a história de alguém confuso que tenta se encontrar, sem uma moral a ser defendida. Há uma coisa nessa relação entre os irmãos que não está clara, tentamos trabalhar esse sentimento de falta — avalia Fraia.
Detalhe 2: os desenhos de DW variam entre o branco, o preto e tons de ciano, uma característica comum a outros trabalhos do ilustrador. Os diálogos foram todos feitos à mão, sem o uso de uma fonte específica e com alternâncias curiosas. Numa mesma frase, as letras podem estar em minúsculas ou em maiúsculas, remetendo às ondulações de frequência da própria fala.
— Para mim, essas páginas com ciano parecem alguns panfletos e publicações dos anos 1960 e 1970, quando elas não tinham muitas cores por falta de recursos — diz DW.
Detalhe 3: Campo em branco tem 176 páginas, mas DW desenhou cerca de 350 durante esses anos de trabalho. Com o tempo, muitas ideias ficaram pelo caminho, outras foram retomadas e retrabalhadas. De certa forma, foi uma constante busca pela memória que tem a ver com o próprio livro: numa das linhas narrativas da graphic novel, os irmãos fazem uma viagem ao passado simplesmente para recordarem. Do quê? Do campo em branco, das páginas a se preencher, do que os personagens viveram e o que os autores vão contar. Ou dos detalhes, fundamentais para a percepção do todo.
— Ninguém consegue viver exatamente a mesma coisa duas vezes. Mesmo que você tenha os mesmos elementos à sua disposição, o resultado é diferente. Algo sempre vai mudar em cada repetição — diz Fraia.
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Télio Navega, no Globo
O escritor Emilio Fraia diz que a HQ Campo em branco (Quadrinhos na Cia., R$ 55), produzida em parceria com o ilustrador DW Ribatski, é sobre o branco. Porém, a cor que mais chama a atenção do leitor ao longo das quase 200 páginas da graphic novel é o azul. Um azul que entope de melancolia os quadrinhos da aventura de dois irmãos que decidem refazer, a bordo de um carro velho — com tração nas rodas dianteiras e apelidado de Urso —, uma viagem de muitos anos antes, feita com um tio.
Para o mais novo, Lucio, que narra a história, é uma chance de se reaproximar do irmão mais velho, o guia da excursão: “Era a cara do Mirko planejar as coisas pelos outros. Ele falou daquele lugar a noite toda. Não perguntou nenhuma vez como eu ia, o que andava fazendo, essas coisas.”
Campo em branco é uma espécie de road movie existencial que, após lido, deixa a sensação de que algo passou despercebido, de que não notamos alguma das muitas elipses narrativas da HQ. E aí lemos de novo. São tantas as camadas da história de Lucio e Mirko que é preciso se preparar bem e tomar fôlego para o mergulho no azul, assim como faz o protagonista em algumas de suas muitas braçadas. Não é à toa que ele sai com o braço machucado.
Jotabê Medeiros, no Estadão
A grande história em quadrinhos da temporada "ééééé do Brasil", como diria um ufanista narrador de futebol. E seu ponto de partida é uma espécie de intuição cromática, uma exacerbação das emoções causadas pela cor branca.
O paulistano Emilio Fraia (texto) e o curitibano DW Ribatski (desenhos), ambos nascidos em 1982, são os construtores da graphic novel Campo em branco (Companhia das Letras., 176 págs., R$ 55), que tem lançamento hoje, às 19h30, no Espaço Cult (R. Inácio Pereira da Rocha, 400). Suscitando comparações com Rubber Blanket, clássico experimental de David Mazzuchelli, é a união dos quadrinhos de vanguarda com a nova literatura brasileira - Emilio Fraia é escritor, autor do romance O verão do Chibo, em parceria com Vanessa Barbara (finalista do prêmio São Paulo de Literatura). Em 2012, foi um dos 20 autores selecionados para a edição Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros da revista britânica Granta.
Tipo de "road comic", quadrinhos de estrada, Campo em branco impressiona pela construção de uma narrativa em que não há quase nada, nenhuma situação ou cenário, muito mirabolante. Lucio e seu irmão mais velho, Mirko, são criados separados. O mais velho ganha o mundo, vive em liberdade, experimenta suas visões e aventuras. O mais novo o reencontra após anos em uma cidade estranha, em outro país, outra cultura, outra língua. Quase não reconhece mais o irmão, que, por sua vez, quer levá-lo em busca de alguma experiência de infância.
Para o leitor, há agradáveis possibilidades associativas na leitura: os irmãos de Campo em branco lembram em certa medida os irmãos de O selvagem da motocicleta (Rumble fish); sua saga é um pouco a viagem de Conta comigo (Stand by me). Há certa ambientação que parece anunciar a qualquer momento o filme Na natureza selvagem.
"Sim, tem muito a ver (com Rumble fish). Pensei também em um filme do Roman Polanski, dos anos 80, Busca Frenética (Frantic), em que um casal volta a um lugar onde passaram há muitos anos a lua de mel, e assim que entram de novo na cidade, a mulher pergunta: 'Você sabe onde está?'. E o marido: 'Não. Acho que mudou demais'", diz Fraia.
"Foi interessante, para mim que nunca tinha feito um trabalho do tipo, ver como os efeitos podem ser criados numa graphic novel. Num romance, para além do enredo, a forma está nas palavras, na maneira como o escritor estrutura a narrativa. Numa graphic novel, essa forma está predominantemente no traço, na disposição e tamanho das imagens, no avançar pelas páginas", conta Fraia.
O visual de DW Ribatski é vertiginoso, embora não utilize a escalada da ação como leitmotiv. Alguns dos seus quadrinhos parecem conter estudos para algo em processo: relógio de Mickey, isqueiros, robôs dos anos 1980, insetos em uma cartolina. Parece a forma de o cartunista lidar com o tempo, elemento fundamental da narrativa. "Acho que tem essa questão do tempo sim, mas tem também uma coisa de querer criar símbolos visuais diversos. O Mickey sempre me lembrará, por exemplo, Walter Benjamin e sua questão de como estes símbolos permeiam o inconsciente coletivo, principalmente depois do século 20", afirma o desenhista.
Os diálogos são construídos graficamente com algum capricho metalinguístico, como nos melhores comics. Por exemplo, quando o gibi narra que "Cabo Bianco fica próximo a um grupo de montanhas chamado Trielak ou algo assim", o nome Trielak, mal compreendido pelo personagem, surge embaçado e ilegível. "Uma coisa que tínhamos como proposta era criar algo que não fosse 'literatura ilustrada' e nem um storyboard. Usar as possibilidades dos quadrinhos no nível máximo. Neste caso, o texto deixa de ser algo que acompanha o desenho e se torna ele mesmo desenho."
Campo em branco mistura física e road movie, filosofia e trekking. Em dado momento, a página toda é ocupada por um imenso grande quadro negro com equações. "Essa foi uma ideia do Emilio. Fiz vários desenhos até chegar a algo que tivesse essa proporção. Além disso, eu tinha visto uma foto de um artista, que esqueci o nome, que fez num quadro negro imenso desenhos de diversos tipos de OVNIs. Tem também essa coisa de símbolos matemáticos que são bem interessantes", explica DW.
Apesar das referências, Campo em branco não é jamais pedante ou cifrado. "Os quadrinhos têm essa característica de terem surgido como uma forma de arte mais despretensiosa, vista erroneamente como rasa por alguns. Então tem essa coisa própria da linguagem, num sentido clássico, de trabalhar com símbolos. O uso proposital de clichês também enfatiza isso. Uma coisa meio Duchamp de ser. Mostrar azul e querer dizer branco", afirma Ribatski.
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Douglas Gavras, na Folha de S.Paulo
Em uma cidade imaginária, dois irmãos se reveem após muitos anos. Lucio, um jovem e tímido estudante de física, é convencido pelo mais velho, Mirko, a subir uma montanha e refazer uma mítica viagem de infância da qual ele não se lembra.
Espécie de "road movie" em construção, em que direção e sentido são preenchidos no percurso pelo narrador, a graphic novel Campo em branco é fruto da imaginação do escritor Emilio Fraia e do artista DW Ribatski.
O livro une o traço espontâneo de Ribatski à narrativa não linear de Fraia. O protagonista tenta reconstruir o passado por meio da memória do irmão, mas as lembranças parecem escapar por entre seus dedos.
Fraia, eleito em 2012 pela revista britânica Granta como um dos melhores jovens escritores brasileiros, já havia lançado o romance O verão do Chibo, em parceria com a colunista da Folha Vanessa Barbara.
Com Ribatski, o autor dá sequência a uma série de parcerias entre escritores e quadrinistas pela Quadrinhos na Cia., que já gerou álbuns de fôlego como Cachalote, de Daniel Galera e Rafael Coutinho, e Guadalupe, de Angélica Freitas e Odyr Bernardi.
"Desdobrar uma trama como HQ é diferente de criar um romance. O sentido não está só no enredo, mas na organização gráfica que cria significado próprio", diz Fraia.
Para compor a paisagem do livro, povoada de insetos e cenas em azul, branco e preto, Ribatski fez uso de referências pessoais e de fotos que Fraia lhe mostrou após uma viagem à Patagônia.
"Cada imagem causa uma sensação. Isso permite que a narrativa não seja apenas uma", diz o quadrinista, que é também músico, professor de artes visuais e autor de Como na quinta série, HQ em que mostra a aproximação inusitada entre um policial e um jovem transgressor.
A bordo do carro "Urso", uma lata velha barulhenta, os irmãos de Campo em branco seguem rumo a um destino que desafia a lógica: não se sabe em que parte do mundo estão, a vila ao pé da montanha é assombrada por um vento incessante, faz frio e calor ao mesmo tempo.
Na dúvida, resta a Lucio preencher as lacunas de sua relação com o irmão, valendo-se de interpretação própria do princípio da incerteza, formulado pelo alemão Werner Heisenberg (1901-1976), segundo o qual é impossível determinar ao mesmo tempo a velocidade e a posição de uma partícula.
"A ideia de algo formado pelos mesmos elementos e que não necessariamente atinge o mesmo resultado pode ser aplicável, simbolicamente, às relações. Ao repetir a viagem, pensamos na impossibilidade de reencenar uma experiência antiga. Tudo sempre é diferente", reflete Fraia.
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