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Texto para o blog da Companhia das Letras:
Quando tinha nove anos, durante seis meses, mantive um diário. Escrevia todos os dias. É uma agendinha velha, preta e com adesivos de marcas de surfwear na capa (Hang Loose, Sea Club e Ocean Pacific). Cada entrada possuía doze linhas, que eu preenchia inteiramente, o que pensando agora devia fazer apenas para não deixar espaço vazio.
O caderninho ficava na casa dos meus pais, num armário abarrotado de pastas. Nunca dei muita bola para ele, até ler aquele que se tornaria o meu conto favorito da Lydia Davis.
Em 2009, a Farrar, Straus & Giroux publicou uma edição com os contos reunidos da autora norte-americana, um volume de capa salmão, 733 páginas e 197 histórias. O conto chama-se “We Miss You: A Study of Get-Well Letters from a Class of Fourth-Graders” (“Saudades: um estudo de cartas escritas por alunos de uma classe do quarto ano primário desejando melhoras a um colega”, que integra Tipos de perturbação, primeiro livro da autora publicado no Brasil, com tradução da destemida Branca Vianna).
O relato é exatamente o que diz o título: uma dissecação linguística e sociológica de vinte e sete cartas que alunos de uma classe do quarto ano escreveram para um coleguinha, Stephen, enquanto este se recuperava no hospital. Em dezembro de 1950, Stephen teve uma grave osteomielite (espécie de inflamação óssea, causada por uma bactéria) e foi internado. Após as férias de fim de ano, as aulas recomeçaram e a professora pediu, como tarefa de classe, que cada um dos alunos lhe escrevessem uma carta.
Como em praticamente todos os contos de Tchekhov, a tensão aqui não está dirigida para o desfecho. Logo no início, o narrador de Lydia diz, sem alarde: “Após algumas semanas de muita preocupação por parte de médicos, família e amigos, Stephen se recuperou, graças em parte a [...]”. Já sabemos, portanto, que nada de pior vai acontecer, que Stephen saiu dessa, que não precisamos passar a história tensos torcendo pela sua melhora.
A linguagem do conto é clara, direta, o que contribui para o efeito maravilhoso de relatório. No mais, nada acontece — ou pelo menos não aparentemente. O narrador descreve a escola (um edifício grande, de tijolinhos, com salas de aula bem iluminadas), fala sobre a aparência geral das cartas (a maioria das crianças usa papel tipo carta, apenas quatro optam pelo tamanho ofício), analisa a caligrafia dos alunos (a letra cursiva “é consistente, toca na linha inferior e tem espaçamento regular”) e a extensão dos textos (“variam de três a oito linhas e de duas a oito frases”).
Seus comentários abrangem estilo, coerência, uso de verbos, conjunções e metáforas, além de categorizar tipos de saudações e expressões de simpatia — “volte logo/ queria que você estivesse aqui” aparece dezessete vezes.
À medida que as cartas vão sendo esmiuçadas, detalhes do cotidiano das crianças, de sua personalidade, seu estado de espírito e a relação delas com Stephen são revelados.
Texto para o blog da Companhia das Letras:
Quando tinha nove anos, durante seis meses, mantive um diário. Escrevia todos os dias. É uma agendinha velha, preta e com adesivos de marcas de surfwear na capa (Hang Loose, Sea Club e Ocean Pacific). Cada entrada possuía doze linhas, que eu preenchia inteiramente, o que pensando agora devia fazer apenas para não deixar espaço vazio.
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