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"O ofício de cartunista é difícil, sobretudo porque é preciso ser editor de si mesmo: cortar, cortar, cortar. Uma pintura, uma colagem de desenhos a lápis, uma paisagem — tudo isso eu faço com prazer e facilidade. São delícias em comparação com a tortura de encontrar uma ideia e representá-la em seguida do modo menos pessoal possível, porque de outro modo se prejudicaria a clareza da ideia. Pela manhã, pego o caderno e a lapiseira e começo a desenhar. O que fazer? O que farei? Me sinto perdido, as ideias parecem finitas. Mas depois não é bem assim [...].
O mais difícil é cortar rápido um bom número de coisas. Outras vezes, o computador da mente deve fazer um elemento vertical percorrer todas as linhas horizontais das possibilidades. Mas, sobretudo, preciso ser capaz de associar as ideias das maneiras mais imprevisíveis. Encontrada a ideia, ou melhor, o veio, a direção, sinto que, curiosamente, ela não é nova para mim. Como quando se escava um sítio arqueológico, acabo por encontrar alguma coisa que com certeza devia estar ali e que fazia parte, como fragmento, de alguma outra coisa que eu já conhecia. Ou seja: encontrei apenas alguma coisa de que tinha me esquecido momentaneamente. Às vezes, acho que entendi tudo, e poucos minutos depois me surpreendo ao me dar conta de que não entendi nada, não me lembro mais do que tinha afinal entendido. Compreendemos por meio de uma emoção. Fiquei felicíssimo quando, pela primeira vez, entendi que entendia. Difícil explicar melhor: entender que entendera, entender que a coisa é possível, entender que, mesmo estando perdida por ora, não está perdida para sempre."
Dois trechos de Reflexos e sombras, livro de memórias de Saul Steinberg:
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"O ofício de cartunista é difícil, sobretudo porque é preciso ser editor de si mesmo: cortar, cortar, cortar. Uma pintura, uma colagem de desenhos a lápis, uma paisagem — tudo isso eu faço com prazer e facilidade. São delícias em comparação com a tortura de encontrar uma ideia e representá-la em seguida do modo menos pessoal possível, porque de outro modo se prejudicaria a clareza da ideia. Pela manhã, pego o caderno e a lapiseira e começo a desenhar. O que fazer? O que farei? Me sinto perdido, as ideias parecem finitas. Mas depois não é bem assim [...].
O mais difícil é cortar rápido um bom número de coisas. Outras vezes, o computador da mente deve fazer um elemento vertical percorrer todas as linhas horizontais das possibilidades. Mas, sobretudo, preciso ser capaz de associar as ideias das maneiras mais imprevisíveis. Encontrada a ideia, ou melhor, o veio, a direção, sinto que, curiosamente, ela não é nova para mim. Como quando se escava um sítio arqueológico, acabo por encontrar alguma coisa que com certeza devia estar ali e que fazia parte, como fragmento, de alguma outra coisa que eu já conhecia. Ou seja: encontrei apenas alguma coisa de que tinha me esquecido momentaneamente. Às vezes, acho que entendi tudo, e poucos minutos depois me surpreendo ao me dar conta de que não entendi nada, não me lembro mais do que tinha afinal entendido. Compreendemos por meio de uma emoção. Fiquei felicíssimo quando, pela primeira vez, entendi que entendia. Difícil explicar melhor: entender que entendera, entender que a coisa é possível, entender que, mesmo estando perdida por ora, não está perdida para sempre."
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"Nunca se deixe fotografar rindo ou sorrindo, Barnett Newman me disse uma vez. Se quiserem fotografá-lo, vista-se bem, mostre sua face mais agradável, mas sem sorriso, um rosto sério, plácido mesmo, porque está em jogo a dignidade do ofício, a dignidade de ser pintor, artista. Os fotógrafos tentam torná-lo normal, um entre outros, para poder dizer: 'O que ele tem que nós não temos? Qualquer um pode fazer o que ele faz'."
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