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1
"Uma nota curiosa: Tony adorava filmes pornô e costumava ir com Anne, que até então nunca havia cogitado frequentar cinemas daquele tipo. Nos filmes, chocou-a o fato de que os homens sempre gozavam fora, nos peitos, na bunda ou na cara das parceiras. Nas primeiras vezes sentia vergonha de ir àquele tipo de cinema, vergonha que Tony não parecia experimentar, para ele se os filmes eram legais a gente não devia sentir nenhum tipo de pudor. Anne acabou se negando a acompanhá-lo e Tony continuou indo aos cinemas sozinho. Outra nota curiosa: Tony era muito trabalhador, mais trabalhador (de longe) que qualquer outro homem que Anne tivera na vida. E outra: Tony jamais se irritava, jamais discutia, como se considerasse absolutamente inútil tentar que outra pessoa compartilhasse seu ponto de vista, como se acreditasse que todas as pessoas estavam extraviadas e que era muita pretensão um extraviado indicar a outro extraviado a maneira de encontrar o caminho. Um caminho que não só ninguém conhecia, mas que provavelmente nem existia."
2
"Uma noite, quando trabalhava numa cafeteria, Anne fez amizade com dois irmãos, Ralph e Bill. Naquela noite, foi para a cama com os dois, mas enquanto fazia amor com Ralph fitava os olhos de Bill e quando fazia amor com Bill fechava os olhos e continuava vendo os olhos de Bill. Na noite seguinte, Bill apareceu por lá, mas sozinho desta vez. Naquela noite, foram para a cama, porém, mais do que fazer amor, conversaram. Bill era operário da construção e via o mundo com coragem e tristeza, mais ou menos da mesma maneira que Anne o contemplava. Os dois eram os mais moços de dois irmãos, os dois haviam nascido em 1948 e até fisicamente se pareciam. Não levou um mês para decidirem viver juntos. Naqueles dias, Anne recebeu uma carta de sua irmã, Susan, que tinha se divorciado e agora estava em tratamento para se curar do alcoolismo. Dizia na carta que uma vez por semana, às vezes mais, ia às reuniões dos alcoólicos anônimos e que aquilo estava abrindo um mundo novo para ela. Anne respondeu com um postal típico de San Francisco dizendo coisas que no fundo não sentia, mas quando terminou de escrever pensou em Bill e lhe pareceu que por fim havia encontrado algo na vida, seu alcoólicos anônimos particular."
3
"De repente, Anne se tornou algo importante na minha vida. O sexo foi o pretexto das duas primeiras semanas, mas logo compreendi que acima de nossos encontros amorosos o que realmente nos atraía era a amizade. Naquela época, eu costumava ir à sua casa por volta das oito da noite, quando ela acabava sua última aula particular, e ficávamos conversando até a uma ou as duas. No meio da conversa, ela preparava sanduíches e abríamos uma garrafa de vinho, e ouvíamos música ou descíamos ao Freaks para continuar bebendo e conversando. Na porta desse bar se juntavam muitos dos junkies de Girona, e não era estranho ver perambulando pelos arredores os barras-pesadas locais, mas Anne costumava se lembrar dos barras-pesadas de San Francisco, gente barra-pesada mesmo, e eu me lembrava dos da Cidade do México e ríamos muito, embora agora, na verdade, não sei do que ríamos, talvez de estar vivos, só isso. Às duas da manhã nos despedíamos e eu subia até minha casa no alto de La Pedrera."
Roberto Bolaño, em "Vida de Anne Moore", Chamadas telefônicas, 1997
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"Uma nota curiosa: Tony adorava filmes pornô e costumava ir com Anne, que até então nunca havia cogitado frequentar cinemas daquele tipo. Nos filmes, chocou-a o fato de que os homens sempre gozavam fora, nos peitos, na bunda ou na cara das parceiras. Nas primeiras vezes sentia vergonha de ir àquele tipo de cinema, vergonha que Tony não parecia experimentar, para ele se os filmes eram legais a gente não devia sentir nenhum tipo de pudor. Anne acabou se negando a acompanhá-lo e Tony continuou indo aos cinemas sozinho. Outra nota curiosa: Tony era muito trabalhador, mais trabalhador (de longe) que qualquer outro homem que Anne tivera na vida. E outra: Tony jamais se irritava, jamais discutia, como se considerasse absolutamente inútil tentar que outra pessoa compartilhasse seu ponto de vista, como se acreditasse que todas as pessoas estavam extraviadas e que era muita pretensão um extraviado indicar a outro extraviado a maneira de encontrar o caminho. Um caminho que não só ninguém conhecia, mas que provavelmente nem existia."
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"Uma noite, quando trabalhava numa cafeteria, Anne fez amizade com dois irmãos, Ralph e Bill. Naquela noite, foi para a cama com os dois, mas enquanto fazia amor com Ralph fitava os olhos de Bill e quando fazia amor com Bill fechava os olhos e continuava vendo os olhos de Bill. Na noite seguinte, Bill apareceu por lá, mas sozinho desta vez. Naquela noite, foram para a cama, porém, mais do que fazer amor, conversaram. Bill era operário da construção e via o mundo com coragem e tristeza, mais ou menos da mesma maneira que Anne o contemplava. Os dois eram os mais moços de dois irmãos, os dois haviam nascido em 1948 e até fisicamente se pareciam. Não levou um mês para decidirem viver juntos. Naqueles dias, Anne recebeu uma carta de sua irmã, Susan, que tinha se divorciado e agora estava em tratamento para se curar do alcoolismo. Dizia na carta que uma vez por semana, às vezes mais, ia às reuniões dos alcoólicos anônimos e que aquilo estava abrindo um mundo novo para ela. Anne respondeu com um postal típico de San Francisco dizendo coisas que no fundo não sentia, mas quando terminou de escrever pensou em Bill e lhe pareceu que por fim havia encontrado algo na vida, seu alcoólicos anônimos particular."
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"De repente, Anne se tornou algo importante na minha vida. O sexo foi o pretexto das duas primeiras semanas, mas logo compreendi que acima de nossos encontros amorosos o que realmente nos atraía era a amizade. Naquela época, eu costumava ir à sua casa por volta das oito da noite, quando ela acabava sua última aula particular, e ficávamos conversando até a uma ou as duas. No meio da conversa, ela preparava sanduíches e abríamos uma garrafa de vinho, e ouvíamos música ou descíamos ao Freaks para continuar bebendo e conversando. Na porta desse bar se juntavam muitos dos junkies de Girona, e não era estranho ver perambulando pelos arredores os barras-pesadas locais, mas Anne costumava se lembrar dos barras-pesadas de San Francisco, gente barra-pesada mesmo, e eu me lembrava dos da Cidade do México e ríamos muito, embora agora, na verdade, não sei do que ríamos, talvez de estar vivos, só isso. Às duas da manhã nos despedíamos e eu subia até minha casa no alto de La Pedrera."
Roberto Bolaño, em "Vida de Anne Moore", Chamadas telefônicas, 1997
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