sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

precursor velado

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Documentário de Ricardo Piglia e Andrés Di Tella sobre Macedonio Fernández, autor do sensacional Museu do Romance da Eterna, que editei e acaba de sair pela casa editorial cossaca.


Além do Museu apontar muitos caminhos que a ficção portenha tomaria no século vinte, Macedonio, ele mesmo, nossa, valha-me Deus. Começou a escrever o Museu (sua obra mais importante) em 1904 e morreu em 1952 sem ter colocado ponto final no livro, que não considerava acabado e só foi ganhar edição em 1967. Além da caligrafia a la Walser, Macedonio escrevia em qualquer folha solta ou pedaço de papel que visse pela frente -- e tudo se espalhava por bolsos, potes e gavetas. Foi promotor e advogado. Só andava de poncho e em 1927, saiu candidato à presidência da Argentina, porque dizia que era mais fácil ser presidente da Argentina do que abrir um bar, já que muita gente queria abrir um bar e poucos queriam ser presidente.

Conhecemos Macedonio através de Borges, que talvez tenha no autor do Museu seu principal precursor. Mas, como tudo o que respira e se move em torno de Borges, Macedonio também ficou à sombra. Numa passagem do diário de Bioy Casares, a dupla Borges/Bioy, cujo drinque predileto era o líquido negro da maledicência, comenta que nem o próprio Macedonio entendia os livros que escrevia. Piglia, autor de A cidade ausente e do dicionário macedoniano, diz que não era bem assim e que, na verdade, é só a partir de Macedonio que se torna possível escrever romances na Argentina.

O documentário é um pouco solene (coisa que Macedonio, o malucão primordial das letras portenhas, não aprovaria), mas serve para entender melhor esse autor estranho e único, praticamente desconhecido por acá.
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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

e talvez por isso se conte tanto

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"Contar deforma, contar os fatos deforma os fatos e os tergiversa e quase os nega, tudo o que se conta passa a ser irreal e aproximado embora seja verídico, a verdade não depende de que as coisas tenham sido ou acontecido, mas de que permaneçam ocultas e sejam desconhecidas e não contadas, enquanto se relatam ou se manifestam ou se mostram, mesmo que seja no que parece mais real, na televisão ou no jornal, no que se chama realidade ou vida ou vida real até, passam a fazer parte da analogia e do símbolo, já não são fatos, mas se transformam em reconhecimento. A verdade nunca resplandece, como diz a fórmula, porque a única verdade é a que não se conhece nem se transmite, a que não se traduz em palavras nem em imagens, a encoberta e não averiguada, e talvez por isso se conte tanto ou se conte tudo, para que nunca tenha ocorrido nada, uma vez que se conta."

Javier Marías, Coração tão branco, 1991
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