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O passado, diz Proust, não se move de lugar. Mas isso faz tempo. Em
Paris não tem fim (CosacNaify), ao propor a “revisão irônica” da juventude parisiense do seu narrador, o escritor catalão Enrique Vila-Matas prova que tudo se move, sobretudo o passado, e que a ironia é a imensa e grande arte do deslocamento. O livro é também a história do próprio Vila-Matas que, tal o seu personagem, passou seus anos de aprendizado na capital francesa, nos anos 70, em um quartinho que alugou de Marguerite Duras, e lá escreveu o seu primeiro romance. Enquanto Hemingway, em
Paris é uma festa, celebra a cidade onde foi “muito pobre e muito feliz”, Vila-Matas, como quem tira de cima de si um bicho, demole qualquer nostalgia de Paris, lugar onde foi “muito pobre e muito triste”.
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No verão de 1959, Vargas Llosa chegou a Paris, pobre e feliz. A primeira coisa que fez foi, numa livraria do Quartier Latin, comprar um exemplar de
Madame Bovary. Passou a noite trancado no quarto, enfeitiçado pela heroína de Flaubert. Na época, Llosa escrevia o seu primeiro livro,
A cidade e os cachorros, que ficaria pronto em 1961.
A cidade e os cachorros (Alfaguara) é, em grande parte, essa madrugada em que Llosa, lendo Flaubert, descobriu que tipo de escritor gostaria de ser. O resultado é um livro de querer pular do segundo trampolim do Terrazas, roubar os cadarços do Vallano, colar na prova de química, ser amigo do Alberto e do Jaguar, vadiar pelos corredores do colégio militar Leoncio Prado, em Lima, e não dormir, passar a noite no quarto, enfeitiçado pelos homenzinhos de Llosa.
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